Fonte:Jornal de Angola
As enormes dificuldades financeiras não impediram Dissoxi dya Ngumba de se entregar à arte teatral, que ele quer ver influenciar positivamente a juventude
© Fotografia por: DR
Martins António Mutambo, artisticamente conhecido por Dissoxi dya Ngumba, nasceu no dia 29 de Novembro de 1995, no Cuanza-Norte. É filho de António Mutambo Ngunzo e de Adelina Augusto Lucas, ambos naturais do bairro Longa, município de Ambaca.
"Sou o primogénito de seis irmãos, a minha vida tem sido carregada de vários desafios, de momentos altos e baixos. Ainda na infância, com o objectivo de procurar melhores condições de vida, acompanhei os meus pais a Luanda”, começa por dizer.
Em Luanda, no período 2011/2014, fez o ensino médio, na escola Ngola Kiluanje, no curso de Ciências Económicas e Jurídicas. "Não foi fácil, pois, ao longo do meu percurso, me deparei com dificuldades no pagamento de propinas, compra de material escolar e para conseguir valores para o transporte para a escola. Não era raro ter de percorrer longas distâncias a pé, para poder chegar à escola e regressar a casa, pois não dispunha sequer de um simples kwanza”.
Com fome, mas sempre com o apoio dos pais e irmãos, dedicou-se aos estudos, mas teve de parar no ensino médio, sem poder continuar, como sempre sonhou, por falta de recursos financeiros.
"Foi em Luanda onde a minha história a nível da arte começou, primeiro na música, em 2008, por influência do meu amigo músico e compositor Marcos Zage Kissanga, que me levou pela primeira vez a um estúdio de gravação de música, onde gravámos o primeiro trabalho. Ele ficou somente pela composição e eu continuei com um outro amigo, com quem trilhei alguns palcos no Catinton”.
Em função do estilo musical que fazia, não tinha aceitação da família, "pois viam o Kuduro como estilo para marginais e incentivavam-me a deixar, para abraçar somente os estudos”.
Foi por influência de Marcos Zage Kissanga, um amigo-irmão, que ganhou a paixão pela arte da representação, pois ele "já fazia teatro e bem”.
"Não foi fácil aceitar o seu convite para participar no grupo a que pertencia. Levou algum tempo por puro temor e insegurança, mas ele insistiu muito, nunca desistiu de mim, com força e dedicação um dia levou-me ao grupo teatral "Os Meninos de Ouro”, onde conheci pessoas que considero hoje como meus pilares. Conheci o meu primeiro encenador, Leal Mundunde, que me deu muita força e sempre caminhamos juntos. Se até hoje sou actor é graças a ele, meu mestre”.
Com o passar do tempo, fruto da sua persistência, foram-lhe confiadas várias tarefas, que desempenhou com zelo e dedicação, como roupeiro, tesoureiro e actualmente encenador.
O jovem conta que um dos momentos mais altos da sua carreira como actor aconteceu no dia 17 de Setembro de 2011, quando actuaram na Cozinha Comunitária do Catinton e depois esteve na inauguração da Quitanda da Tourada, no Cassequel, onde ganhou o primeiro caché e foi a correr comprar duas camisas.
"Um dos personagens mais difíceis que já interpretei foi o papel de "mulheres”, mas com o passar do tempo consegui superar”.
Como actor, os personagens de "avô e de marginal” foram os que mais gostava de interpretar e o público aplaudia, sublinha o jovem, que continua a recordar. "No grupo Teatral "Os Meninos de Ouro” enfrentamos várias dificuldades, como a falta de espaço para os ensaios e realização de espectáculos e fraca valorização desta arte no bairro em que vivemos”.
Infelizmente, conta, várias vezes tentou desistir, porque alguns familiares e amigos diziam que o teatro é uma arte sem saída, "mas algo no fundo do meu coração dizia-me para continuar e hoje sou feliz pelo que faço. Lamentavelmente, todos os actores com quem comecei e encontrei deixaram de fazer teatro, uns estão envolvidos na música, poesia, dança e em outras actividades profissionais”.
Um dos momentos mais difíceis como actor, recorda, "foi quando o grupo de que fazia parte parou por muito tempo, por falta de espaço e disponibilidade dos actores. Foi doloroso para mim, pois o nosso grupo era uma referência no bairro. Os fundadores, devido às suas ocupações, não conseguiram prosseguir, mas eu retomei os trabalhos”.
Sem dinheiro, ensaiavam em casa do amigo Mateus Pinto, um dos actores do grupo teatral "Os Meninos de Ouro”.
"Como actor, sempre defendi a necessidade de haver mais apoio aos grupos teatrais, pois, com o nosso trabalho, apesar das limitações, conseguimos despertar a sociedade, mudar atitudes e comportamentos dos cidadãos”, realça, para acrescentar: "busco sempre inspiração em tudo que observo na sociedade, sempre admirei a forma como o meu encenador fazia o seu trabalho. Por outro lado, o Vemba é um dos actores que muito admiro. Enquanto tiver forças, almejo ver o meu grupo entre os melhores do país e, quiçá, termos um intercâmbio com o Horizonte Jinga Miando, um dos grupos de teatro que muito tem feito em prol do progresso do teatro a nível do país”.
Dissoxi dya Ngumba conta que, como actor, sonha em participar em grandes festivais no país e no exterior, inspirar jovens a abraçarem a arte, mudar a vida de pessoas com o teatro e ver uma sociedade cada vez melhor.
"A forma como muitos vêem o teatro, com fraca valorização, dói-me bastante, por isso, apelo às pessoas para darem maior valor à arte, sobretudo nos bairros, onde até local para ensaios é muito difícil e os cidadãos que amam o teatro vêem os seus sonhos a morrer”.
Martins António Mutambo conclui dizendo que quer falar com Rafael Baptista, que encorajava os jovens a fazer teatro nas ruas do Catinton. "Os primeiros momentos foram difíceis pela vergonha, mas, com o tempo, ganhei coragem e avançamos com os trabalhos e brilhamos muito, pois éramos bem recebidos. Hoje, um dos meus projectos é retomar o teatro de rua, para sensibilizar as pessoas a verem o teatro como uma arte valiosa, tal como vêem outras artes”.
Comentários
Enviar um comentário