JOSIMAR AGOSTINHO ONJANGO |
Por: Josimar Agostinho Onjango
Opinião
Estava assistir, ao programa Mata-bicho do canal 2. Às quartas-feiras há uma rubrica, Agenda Africana. No estúdio, com o apresentador, estava um professor, seu nome, Dembele Silva e, ao telemóvel, o famoso Filipe Vidal. A temática era relacionada à Kimpa Vita.
Num dado momento, os dois convidados afirmaram que Kimpa Vita não era cristã, muito menos católica. O Jornalista perguntou: como pode ela não ter sido cristã e ao mesmo tempo considerar-se inspirada por Santo António?
O professor olhou no livro que tinha em frente, parece de sua autoria, disse que ela era de uma religião africana.
O Filipe Vidal, ao telefone, citou um autor africano, afirmou que a História precisa ser escrita por nós africanos, afirmou que aquilo é a mentalidade do europeu que escreveu que ela foi cristã.
Quanto a sermos nós africanos a escrevermos a nossa história concordo com Vidal, mas negar a História só porque foi escrita por um europeu, nessa parte não tenho como concordar com Filipe Vidal. Também inventar uma história que me agrade e agrade aos meus, isso também não tenho como anuir.
Além disso, algo não bate certo, no que defendeu Filipe Vidal, então se a história que temos é essa que os Europeus escreveram e narra, dentre outras coisas, que Vita foi lançada na fogueira, então só devo considerar a parte que diz que ela foi lançada no fogo, a parte que diz que ela foi cristã não devo aceitar, é isso? Assim não posso questionar essa história: como realmente aconteceu, quem queimou, quem assistiu ao acto, quem era ela. A ideia é escolher o que me convém na História de África e o que não me interessa dizer que foi o pensamento cristão colonizador do catolicismo? E o Filipe Vidal é professor de História, com cada vez mais seguidores.
Outra incongruência, o professor, em estúdio disse que Kimpa Vita, profetizou que mandaria outros profetas para continuarem a sua luta e que esses profetas, surgiriam 200 anos depois da sua morte. Tanto ele, o professor em estúdio quanto o professor ao telefone atestaram que esses profetas eram Simão Toco e Simão Kimbango. E adivinhem vocês! Tanto Toco como Kimbango, os dois, eram cristãos. Então se Kimpa Vita não era cristã, como enviou dois profetas, precisamente, cristãos. Isso não bate certo. Essa história de Kimpa Vita não ter sido cristã, desses dois professores Universitários, está muito mal contada.
Será que dói saber que ela foi cristã. Talvez doa, mas estamos no campo da Ciência. E que mal haveria em Kimpa Vita ter sido cristã? Kimpa Vita foi cristã (cfr. Thorton 2004, Jardim 1961, Filesi 1971). Não tenho em mente Kizerbo ou Diop negarem a informação de Kimpa Vita ter sido cristã.
Ela não foi a única cristã. Rainha Ginga a Mbande foi cristã e católica, casou e tudo na Igreja católica. Steve Biko, grande africanista na luta contra o Apartheid, na África do Sul, foi cristão católico.
Leopold Sedar Senghor, um dos fundadores da Negritude, quando já adulto, foi cristão católico. Mesmo Kwame Nkrumah foi católico. Julius Kambarage Nyerere, um dos fundadores da União Africana, Pai da Independência da Tanzânia, foi cristão católico, provavelmente vai ser canonizado pela Igreja, será santo. E o mais difícil para os dois professores deve ser perceber que as próprias pessoas que eles admiram foram cristãos.
A História não se apaga, não depende desse ou daquele historiador. Se o sentimento que o historiador tem do Cristianismo é de ódio, eu considero que é contra-producen te, além disso ao fazermos ciência, sentimentalismo s influenciam negativamente sobre o resultado das pesquisas.
A História não pode ser re-criada por Vidal nem por Dembele nem por mim. Como eles, muitos, como uns ditos afrocratas, estão aqui a tentar construir uma nova narrativa da História de África.
E o mais grave é que muitos angolanos e angolanas ouvem pela primeira vez Filipe Vidal a falar e pensam que tudo o que ele diz tem fundamento científico.
Os dois professores deveriam retratar-se publicamente. Corremos o grave risco de sermos todos enganados por indivíduos que em vez de fazerem ciência, metem os Diplomas e Certificados de lado, apelam à emoção e tentam fazer todo um (quase) País de distraídos.
O mais difícil para os dois professores deve ser perceber que o Cristianismo e as próprias pessoas que eles admiram sendo cristãs contribuíram para as emancipações e as Independências africanas.
Entendo que na vida, por motivos vários, podemos passar a ter um posicionamento firme, até certo ponto entende-se, mas esses entendimentos firmes não devem ser aceites cega nem emocionalmente, precisam ser passíveis de reflexões e constantes enriquecimentos .
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